quinta-feira, 6 de setembro de 2007

....

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

2 comentários:

Anônimo disse...

Não são minhas as palavras, mas peço-as emprestadas para partilhar contigo:
"Garanto-me que não me fazes falta, que a vida é absolutamente possível e melhor sem ti. E procuro-te nas ruas escusas, estás em cada esquina que não dobro, em cada caminho que não escolho, em cada rosto de que desvio o olhar estão os teus olhos que me perturbam demasiado, todas as mãos são as tuas que já não me tocam, que ainda me tocam. Cada vez que me afasto sinto-te mais perto, não me podes fazer falta porque não foste embora. Receio a loucura que me impele para o telefone em busca do teu número que sei de cor, odeio a lucidez que poisa o telefone sem ter dito nada, sem ter deixado que tocasse. Queria ter rancor, queria ter-te aqui.

Queria sentir-te a falta mas nunca estás longe o suficiente."


...*

Azul Limao disse...

Filipa:
Adorei estas palavras emprestadas, e já tirei o texto! Obrigada!